PUBLICAÇÕES

Carta Aberta

Gestão 2018-2020 do CCRIM

 

“E aprendi que se depende sempre

De tanta, muita, diferente gente

Toda pessoa sempre é as marcas

Das lições diárias de outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende

Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá

É tão bonito quando a gente sente

Que nunca está sozinho por mais que pense estar”

 

(Caminhos do coração - Gonzaguinha)

 

 

Essa é uma carta aberta de agradecimento com alguns registros deste caminhar coletivo, que se compõe de defesas aguerridas em existência e resistência, lutas e muitas pessoas que fizeram e fazem o CCRIM desde 2016.

Passados mais de três anos de exercício da atual gestão do Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves, é chegado o momento de encerrar mais um ciclo. Iniciado em meados de 2018 e finalizado em 2020, o último ciclo formativo do CCRIM contou, inicialmente, com Marina Gardelio na função de Presidenta e Marcos Leone, ex-Vice-Presidente - sendo posteriormente sucedido por Thágila Tainá Rodrigues, Vice-Presidenta. Dentre as Coordenações, tivemos a condução majoritária de mulheres: Marina Machado, Cord. Política Criminal; Indira Costa, Cord. Criminologia; Rafaela Lima, Cord. Vitimologia e Thágila Rodrigues, Cord. Direito Penal. 

Sempre em coletivo, a gestão atuou com vistas à realização de  formações internas promovidas durante os núcleos de Política Criminal, Criminologia, Vitimologia e Direito Penal; ao desenvolvimento de pesquisas individuais e coletivas pelos(as) membros(as) e de diversas ações integradoras de saberes no campo das Ciências Criminais.

 Foram muitos os projetos desenvolvidos e os compromissos assumidos. Dentre eles, destacam-se, o projeto “CCRIM nas escolas”; o I Minicurso de Metodologia da Pesquisa; a realização do evento “A Centralidade da Raça no Estudo da Criminologia Crítica”, além da histórica criação da ACCS “DIRC30 - CCRIM: Diálogos entre Universidade e Comunidade”, aprovada pela PROEXT-UFBA (edital ACCS - 2020.1), com as colaborações da professora Daniela Portugal, na condição de coordenadora; do Grupo Grãos de Luz e Griô e da professora Alessandra Prado.

Ao longo do ano de 2020, um cenário de desafios impostos pela Pandemia da Covid-19 trouxe ao CCRIM a necessidade de se reinventar em um novo formato. Como sempre, resistindo e provocando rupturas, fomos ocupar e dialogar no espaço virtual. Foi criado e concretizado o projeto “CCRIM em Prosa”, com o objetivo de possibilitar trocas de saberes, vivências e pesquisas na área das Ciências Criminais, entre membros e membras do Centro e seus convidados (as) que dialogaram, nesta primeira edição, sobre o eixo temático “Vidas Negras em Pauta”, tema prioritário, necessário e permanente no CCRIM. 

Como um dos objetivos consignados no Estatuto do CCRIM, fora retomada a ideia de elaboração de um boletim científico, construído por várias mãos a partir da criação de Comissão Editorial interna, bem como da formação de uma Comissão de Pareceristas ad hoc composta pelos(as) professores(as) Ana Luisa Barreto, Ana Luíza Teixeira Nazário, Marcos Freitas e Vinícius Romão. 

Em sua primeira edição, o Boletim Protopias recebeu artigos inéditos das professoras Dina Alves, Luciana Boiteux e Carolina Peixoto - três grandes nomes da área das Ciências Criminais e inspirações para o CCRIM - e de diversos articulistas que confiaram no periódico. Foi a partir de uma construção intergeracional e coletiva de discentes, colaboradores e colaboradoras do CCRIM que o Boletim foi gestado, pautando, cientificamente, a construção de uma ferramenta capaz de projetar reflexões, críticas e possibilidades de futuros protópicos.

Por fim, a gestão promoveu importantes alterações estatutárias a fim de reforçar o compromisso da entidade com a defesa irrestrita do Estado Democrático de Direito, prevendo ainda a implementação de políticas pró-equidade de gênero, raça e condição social, em consonância às manifestações e ações permanentes contra o racismo, machismo, lgbtfobia, capacitismo e toda e qualquer forma de opressão. 

Findado esse ciclo, rememorar nossa trajetória, ainda que brevemente, é ato político para enraizar nossa história e trilhar os rumos futuros em Protopias; sobretudo, em um contexto tão desafiador, que nos impõe a tarefa diária de resistir ao obscurantismo, à negação da ciência, da cultura, das Universidades e até mesmo dos Direitos e Garantias Fundamentais.

A gestão atual se encerra, mas a luta conjunta continua. Aos(Às) que chegam, desejamos que as discussões de cada reunião e cada trabalho coletivo gerido possam transformar e revolucionar, ainda mais, todos e todas, assim como aconteceu com cada um(a) de nós neste fazer coletivo. Esperamos que o CCRIM continue sendo este espaço de formação nas Ciências Criminais, de desenvolvimento de Pesquisa e Extensão, mas, sobretudo, de autonomia estudantil, luta, permanência, resistência, sobrevivência, cuidado, afeto. 

Deixamos nosso especial agradecimento a quem fez o CCRIM existir e acreditou na nossa gestão desde o princípio, alguns não mais como membros(as), mas sempre colaborando, construindo e pensando no CCRIM até os dias atuais: Ílison dos Santos; Jhonatas Melo; Thiago Guimarães; Tiago Rocha; Gabriela Garcia.

Agradecemos a todos e a todas aqueles(as) que se somaram aos(as) membros(as) antigos(as) e à gestão atual, para construir esta jornada: Alberto Souza, Amanda Fernandes; Alex da Glória; Ana Flávia, Beatriz Teixeira; Luzia Carla; Diogo Meira; Hemmyly Nascimento; Maria Clara; Railson Júnior; Rebeca Vieira; Sofia Araújo e Vitor Andrade. Sempre em coletivo, mandamos lembranças e agradecimentos pelos encontros e trocas a Ângela; Vanessa; Adson; Israel; Ítalo; Igor; Wellington; Horácio; Fernando; Noedson; Filipe; Raphael; Aliane; Lisa; Maiala; Mariana; Vagner; Danilo; Jéssica; Diogo; Raphael; Sérgio e tantas outras vozes que engrandeceram o CCRIM.

Encerramos a gestão agradecidos(as) pelos encontros, trocas e amizades que fizemos. Desejamos à nova gestão força, coragem e afeto para continuarmos essa jornada juntos(as) e expandirmos, ainda mais, esse sonho sonhado junto que é o CCRIM. 

Atentas e fortes, caminhamos contra o vento; em Protopias, plantamos sementes. Nosso muito obrigada pelo tempo de construção e aprendizado, CCRIM.

 

Gestão 2018-2020 do CCRIM

 

Marina Gardelio

Presidenta

 

Thágila Tainá Rodrigues

Vice-Presidenta (2019-2020)

Coordenadora de Direito Penal

 

Marcos Leone

Vice-Presidente (2018-2019)

 

Marina Machado

Coordenadora de Política Criminal

 

Indira Costa

Coordenadora de Criminologia

 

Rafaela Lima

Coordenadora de Vitimologia

 



 

Elas que lutem: isolamento social no Brasil e a negação de direitos às mulheres negras em tempos de pandemia

 

No décimo primeiro dia do mês de março de dois mil e vinte a Organização Mundial de Saúde – OMS, declarou a pandemia do Covid-19, e não demorou para que os efeitos chegassem ao Brasil, exigindo das autoridades públicas medidas para o seu combate e contenção. Dentre as medidas indicadas como prevenção se destacam a intensificação da higiene pessoal e o isolamento social, este último ganha destaque num país como o Brasil, que possui uma extensão territorial ocupada por mais de 211 milhões de pessoas com uma grande densidade populacional em algumas localidades, razão pela qual o não isolamento nesta realidade pode gerar consequências inimagináveis diante de uma doença tão contagiosa.

 

O isolamento social inclusive, se apresenta como um mecanismo que permite ao sistema de saúde pública a estruturação para recepcionar grandes demandas, sobretudo daqueles grupos sociais mais vulneráveis que não poderiam arcar financeiramente com as custas de um cuidado médico particular.

 

Com isso, a decisão das autoridades pela adoção em larga escala do isolamento social horizontal, como medida de prevenção ao contágio, estampou o histórico de desigualdade social que existe no país desde o seu ‘descobrimento’. O que se observou após o pedido de isolamento foi uma divisão entre aqueles que poderiam, sem grandes prejuízos, se isolar socialmente em prol de sua saúde, devido a sua posição social, daqueles em que o isolamento significa prejuízos irreparáveis a suas condições de sustento e sobrevivência, que diante de suas experiências são tão danosos quanto um vírus contagioso.

 

O medo da morte para quem agoniza diuturnamente pela busca da sobrevivência, às margens do capitalismo e nas ‘veias abertas da América Latina’, parece não ter a mesma potência diante daqueles que podem se isolar com a certeza da continuidade de suas posições dentro de uma sociedade extremamente desigual.

 

Diante disso, o que se pode perceber é o que o escritor José Saramago chamou de “cegueira seletiva”, onde alguns indivíduos de forma seletiva ignoram a dificuldade de prevenção de determinados que grupos sociais, sendo questionável qual a solidariedade que se espera em um cenário onde o pertencimento social parece mensurar o valor de uma vida.

 

A histórica segregação social brasileira, que atinge fortemente aqueles que historicamente foram marginalizados pela lógica colonial, tem como vítimas principais as mulheres negras, fato que nos leva a refletir a necessidade de pensarmos em uma perspectiva “decolonial” e feminista.

 

Em Salvador-BA, durante reportagem veiculada no último dia 23 de março, na TV Bahia, foi exibida uma entrevista com 4 (quatro) mulheres negras que esperavam o ônibus em uma localidade daquela capital, isto em meio ao isolamento social recomendado pela autoridade municipal, onde 3 (três) delas trabalhavam como empregadas doméstica e estavam se dirigindo aos seus locais de trabalho enquanto que uma delas trabalhava como vendedora ambulante naquele mesmo ponto de ônibus.

 

A reportagem demonstra a realidade dessas pessoas, no caso mulheres negras, que por necessidade financeira precisam cumprir determinações que põem em risco sua saúde, expondo nitidamente a segregação social existente no país.

 

São as mulheres negras, o grupo social que mais sofre com o racismo estrutural, conforme bem pontuou Sueli Carneiro, filósofa, escritora e ativista do movimento social negro brasileiro, “ser mulher e negra nessas terras é experimentar essa condição de asfixia social”.

 

O quadro social exposto, portanto, reforça o fato de que para alguns não é facultado o isolamento social horizontal, eis que, descumprir a determinação do seu empregador parece lhes trazer consequências mais duras do que descumprir as recomendações das autoridades públicas, isto porque da venda de sua força laboral depende o sustento seu e dos seus. Por isso, conforme nos ensinou Bell Hooks, ser oprimido significa, a ausência de escolhas.

 

Por isso, como a mulher negra é quem mais sofre com a segregação racial na sociedade brasileira, isto se torna ainda mais evidente em momentos de crise, pois são estas mulheres que compõem o grupo social que possui maior dificuldade de sair do padrão diuturno – modelo de trabalho – modelo de vivência - que lhes é imposto. Atestado disso foi a morte da empregada doméstica no Rio de Janeiro, que contraiu o vírus da patroa que, sequer a avisou, sobre estar doente, fato que foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação, por ter sido uma das primeiras mortes por Coronavírus registradas no país.

 

Neste momento se tornam relevantes as lições do importante filósofo Nelson Maldonado Torres, pesquisador em relações étnicas raciais, que conclui apontando que o colonialismo é uma lógica que permanece embutida na modernidade, significa dizer que mesmo com o processo de independência brasileira ou com o processo de abolição do sistema escravocrata, aquela lógica segregacionista se mantém viva e presente, porém ressignificada, o que o autor chama de “decolonialidade”.

 

Maldonado faz ainda uma excelente observação no que tange ao gênero, apontando que os corpos femininos são vistos como forma de permitir a reprodução do inimigo, lhes conserva a memória e por isto é do senso comum que o colonizado sofra diversas barbáries como torturas e outras tentativas de neutralização; neste cenário se percebe o racismo estrutural que neutraliza a mulher negra em diversos momentos lhes tolhendo oportunidades e definindo onde e como sua força braçal deve ser comercializada, a mantendo subalterna diante de um Estado que parece omisso em lhes garantir seus direitos.

 

Neste momento, é importante uma pergunta, que deve soar latente aos olhares mais atentos: Existe necessidade que uma empregada doméstica se arrisque a contrair um vírus potencialmente contagioso, num transporte coletivo, arriscando a sua vida, a de sua família e a família dos seus empregadores, diante da recomendação de especialistas para que sigam em funcionamento apenas os serviços essenciais?

 

Talvez a posição social original de algumas pessoas faça com que essas ainda estejam com os olhares cobertos pelo que o professor John Rawls, chamou de “véu da ignorância” onde as nossas posições sociais nos levam, muitas vezes, a posições egoístas de perpetuação de status. A reflexão a ser feita é: como podemos mudar este cenário no contexto atual?

 

Por isso, sabemos que não é facultado a todos e todas escolher permanecer em segurança em suas residências. O empregador por vezes imerso na lógica colonial ou perdido em sua posição original, precisa compreender que o empregado é quem mais necessita do isolamento social, uma vez que é o usuário primário do sistema de saúde público.

 

Neste sentido, a pandemia nos traz um momento de diversas reflexões, inclusive acerca da necessidade do que Nelson Maldonado chamou de ‘giro colonial’, que nada mais é que o indivíduo compreender os simbolismos que os cerca, bem como, do seu lugar na sociedade entender de que forma pode atuar para que tais desigualdades não mais se sustentam.

 

E por fim, importante a fala marcante da ativista Ângela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo".

 

* Alex Antônio dos Santos da Gloria - Membro do Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves-CCRIM

* Rafaela de Lima Nascimento - Membra do Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves-CCRIM

 

 

 

 

O Direito à Saúde da População em Privação de Liberdade Frente às Medidas de Contenção do coronavírus (Covid-19)

 

Recentemente, o mundo foi surpreendido com a gravidade da propagação do coronavírus (Covid-19), que já é considerada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e culminou no fechamento de fronteiras, aeroportos, rodoviárias, além da adoção de medidas sanitárias de higienização das mãos com água e sabão, álcool gel e na adoção do isolamento social (ou quarentena), como principais estratégias a fim de evitar a transmissão do vírus entre as pessoas. 

Não restam dúvidas, portanto, quanto à urgência na adoção de medidas de natureza preventiva e de contenção do novo vírus. Mas como assegurá-las às pessoas em situação de confinamento, que se encontram sob a tutela do Estado, já reclusas e vulnerabilizadas pela situação precária e desumana dos presídios e unidades socioeducativas no Brasil?

Atualmente, possuímos a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 812 mil presos e taxas extremamente elevadas de doenças transmissíveis e não transmissíveis em ambiente prisional. Os agravos incluem doenças como tuberculose, pneumonia, diabetes, hipertensão, câncer e HIV. Condições de saúde que inserem um grande número de pessoas presas no chamado grupo de risco do coronavírus. 

Em razão da pandemia de infecção pelo novo coronavírus, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), requerendo a prisão domiciliar e a liberdade condicional dos grupos mais vulneráveis ao contágio pelo Covid-19, assim como a adoção imediata de medidas de prevenção à disseminação do vírus no sistema prisional e socioeducativo. Em face disso, o ministro Marco Aurélio conclamou os juízes de Execução Penal a adotarem junto à população carcerária procedimentos preventivos do Ministério da Saúde para evitar o avanço da doença dentro dos presídios. 

Dentre as medidas sugeridas em portaria conjunta expedida pelos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e Ministério da Saúde tem-se, basicamente, a suspensão das visitas sociais dos presos, ausentes quaisquer medidas compensatórias de preservação à integridade física e à saúde mental dos mesmos, ou mesmo a ampliação das condições de higiene e saúde nas unidades prisionais.

O IDDD, por sua vez requereu, entre outros pleitos: a liberdade condicional a encarcerados com idade igual ou superior a 60 anos; a substituição da prisão provisória por medida alternativa para os casos que envolvam delitos praticados sem violência ou grave ameaça; a progressão de pena a quem, atendido o critério temporal aguarda exame criminológico. 

Para além das medidas judiciais assinaladas, importa destacar, que no campo da saúde, as ações voltadas para a população carcerária no Brasil, desde 2014, são norteadas pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional – PNAISP.  Essa política objetiva a garantia do direito à saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a todas as pessoas em situação prisional. Prevê, portanto, o acesso à rede de atenção à saúde, a melhoria das ações de vigilância sanitária e condições mínimas de higiene pessoal, dentre outras medidas estratégicas essenciais à implementação da premissa constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. No tocante aos jovens em cumprimento de medida socioeducativa, as mesmas diretrizes são estabelecidas pela Política de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória (PNAISARI).

Ambos os documentos, frisa-se, dispõem sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde integral de pessoas em privação de liberdade e são considerados marcos no processo de implementação de direitos sociais positivados no ordenamento brasileiro, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execuções Penais. 

O fato é que a realidade das condições de saúde, acesso e uso dos serviços sanitários pela população encarcerada no país, não demonstra outra coisa, senão a omissão do Estado, operando de forma necropolítica um sistema de governo em que se define quem deve viver e quem deve morrer, se atribui às pessoas privadas de liberdade o status de “mortos-vivos” e nega-lhes o mínimo existencial.

Essa constatação tem se tornado ainda mais evidente durante a Pandemia pelo Covid-19 e dada à análise do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), que em pesquisa realizada no ano de 2019, demonstra que as prisões estão quase 70% acima da capacidade de lotação e menos da metade delas possuem, sequer, posto médico. 

O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 assegura que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Frente ao estado de calamidade pública, é imprescindível que medidas concretas sejam adotadas para mitigar os riscos do avanço do coronavírus vez que, ao não prestar a efetiva e gratuita assistência à saúde da população carcerária, o Estado transgride direitos humanos e fundamentais.

Em se tratando dos presídios, as preocupações relativas à proliferação do coronavírus tornam-se ainda mais latentes. Pesquisas mostram que a população carcerária tem 30 (trinta) vezes mais chances de contrair tuberculose, em razão das condições insalubres das prisões. São espaços, fechados, com circulação de ar diminuída e acesso precário à água, produtos de higiene e limpeza, logo, potenciais espaços de contaminação pelo Covid-19, sem assistência médica e condições de isolamento individual.

A situação excepcional exige, pois, medidas excepcionais, haja vista que os prognósticos sobre a evolução da pandemia são incertos nas unidades prisionais e socioeducativas. Todavia, medidas como a criação de protocolos de atendimento médico, disponibilização de produtos de higiene pessoal e proteção individual e ações compensatórias às suspensões das visitas, além de medidas judiciais que contemplem liberdade condicional para idosos e portadores de doenças crônicas, substituição da prisão preventiva pela domiciliar para todas as pessoas presas por crimes cometidos sem violência e grave ameaça (com prioridade para mulheres, sobretudo idosas, gestantes, lactantes e mães de crianças com idade até 12 anos), são fundamentais para assegurar a população prisional, não apenas o direito à saúde, mas o direito à vida e à existência.

 

* Adson Vieira de Souza - Membro do Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves / CCRIM / UFBA. 

 * Thágila Tainá Moreira B. Rodrigues - Membra do Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves/ CCRIM / UFBA.